Imagine uma pessoa considerada de bom coração, com valores fortes, disposta sempre a ajudar. Agora imagine essa mesma pessoa, atrasada, correndo para um compromisso importante. Ela encontra alguém caído na rua, pedindo ajuda.
Ela para?
Sim?
Segundo a psicologia, talvez não – e não por maldade ou falta de empatia.
Em um experimento clássico conduzido pelos psicólogos John Darley e Daniel Batson (1973), estudantes de teologia foram convidados a dar uma palestra em outro prédio da universidade. No trajeto, encontrariam uma pessoa caída (armado pelos pesquisadores), aparentemente em necessidade. O que os pesquisadores queriam saber era: quem iria parar para ajudar?
O fator determinante não foi a palestra, nem o nível declarado de religiosidade ou compaixão. Foi o nível de pressa.
Dos participantes que estavam atrasados, apenas 10% pararam. Já entre os que tinham tempo, 63% ofereceram ajuda.
Esse estudo, conhecido como The Good Samaritan Experiment, revelou o que a ciência do comportamento chama de efeito situacional: quando as pessoas não agem de acordo com o que acreditam, mas com o que o ambiente torna possível ou inviável no momento.
Mesmo pessoas bem-intencionadas, ao se sentirem pressionadas, deixam de agir conforme seus próprios valores.
Pressa, desconexão e o risco de viver no piloto automático
Esse experimento, embora acontecido nos anos 70, talvez nunca tenha sido tão atual. Vivemos em uma cultura onde a velocidade virou virtude e a pressa, um modo de operar padrão.
O filósofo Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço (2015), alerta que a hiperatividade do mundo moderno não gera mais liberdade, mas sim autoexploração disfarçada de desempenho. Não somos mais comandados por patrões externos, mas por vozes internas que dizem: “você poderia estar produzindo mais”.
O corpo, os afetos, o descanso, a escuta… tudo isso vai fica em segundo plano. O tempo para um olhar atento é engolido pela urgência do próximo compromisso.
A pergunta não é mais “o que é importante para mim?”, mas sim “o que dá tempo de fazer?”
Cultura organizacional: o cenário onde o comportamento acontece
Se o efeito situacional explica porque pessoas boas podem não agir bem sob pressão, ele também ajuda a entender muitos dilemas no mundo corporativo.
Quantas vezes vemos profissionais brilhantes em uma empresa que, ao mudarem de organização, parecem perder a performance que os definia?
A explicação muitas vezes não está na pessoa, e sim no ambiente em que ela foi colocada.
Como aponta o pesquisador Ronald Heifetz, “o comportamento é função da pessoa em interação com o sistema”. Isso significa que, ao avaliar performance, precisamos olhar não apenas quem, mas onde e como.
Cultura organizacional é feita de normas formais e por regras ocultas: o que se valoriza de verdade (não só no discurso), o que é tolerado, o que se pune silenciosamente.
- Se o time aprende que “trabalhar até tarde” é valorizado, os hábitos de descanso e autocuidado são corroídos.
- Se só se reconhece quem fala mais alto, os mais reflexivos se calam.
- Se alguém novo chega de um ambiente com segurança psicológica e encontra uma cultura de microgestão, seu histórico de inovação vira hesitação.
O resultado?
Pessoas competentes travam.
Líderes inspiradores se desgastam.
Times antes coesos se tornam silenciados.
O talento é real, mas o ambiente pode desligá-lo.
Desta forma, se comportamento é função do ambiente, como vimos com o efeito situacional, então a cultura de uma empresa não está nas palavras da parede, mas nas práticas do dia a dia.
É por isso que, na perspectiva organizacional, hábitos não são apenas pessoais – eles são o sistema operacional invisível da cultura.
Cada reunião que começa atrasada, cada líder que responde mensagens às 23h, cada feedback que nunca acontece… tudo isso comunica mais do que qualquer manual de valores.
Perguntas que toda liderança deveria se fazer (e refazer)
- O que sua cultura está realmente reforçando?
- Quais comportamentos são elogiados e quais são ignorados?
- Que práticas “ocultas” moldam a rotina sem estarem escritas em lugar algum?
- O que estamos premiando: presença real ou produtividade a qualquer custo?
- Estamos criando espaço para conversas sobre bons hábitos e sustentáveis ou ainda tratamos isso como algo individual?
Essas perguntas não são só sobre bem-estar. São sobre performance de longo prazo, clima, engajamento e coerência cultural. E a maior armadilha é tratar essa conversa como “ação pontual”.
Afinal, se queremos times que entregam com consistência, precisamos parar de buscar pessoas certas e começar a perguntar: o ambiente está certo para que elas deem o melhor de si?
Isso não significa abrir mão da responsabilidade individual. Mas significa entender que o comportamento é um produto da interação entre intenção e contexto.
Por isso, ao construir uma cultura de bem-estar real, a pergunta principal que precisamos fazer é:
Para chegarmos onde queremos, nosso ambiente está nos ajudando ou sabotando essa mudança?
Porque o cuidado – consigo e com os outros – não é uma virtude inata. É um comportamento treinável, reforçável e sustentável.
Mas precisa ser feito com intenção, apoio e consciência.